quinta-feira, 30 de maio de 2013

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O evento internacional Coleções Literárias: Textos/Imagens, a ser realizado de 5 a 7 de junho de 2013, na Universidade Federal de Santa Catarina, tem como problemática central a questão da imagem, que é de fundamental importância para a contemporaneidade. Literatura é imagem, e outras formas artísticas como o teatro, a pintura, o cinema se manifestam também por meio de imagens. De fato, a imagem nunca esteve tão presente no nosso cotidiano de forma tão crua e intensa. O debate sobre a “paixão pelo real”, desenvolvida em O Século de Alain Badiou, nesse sentido conflui com os escritos de Georges Didi-Huberman e toda uma tradição formada por Warburg, Bataille, Freud, Lacan, Foucault. Não se busca o todo, a sua totalidade, muito menos uma origem propulsora, a atenção está acima de tudo nos intervalos, para lembrar uma frase de Warburg, que abre um importante ensaio sobre o método de Carlo Ginzburg: “O bom Deus está nos detalhes”. A espiral, o caminho mais tortuoso substitui a linearidade. Nesse sentido, é importante recuperar um trecho de Walter Benjamin dedicado à questão da origem:
Mas, apesar de ser uma categoria plenamente histórica, a origem (Ursprung) não tem nada em comum com a gênese (Entstehung).”Origem” não designa o processo de devir e desaparecer. A origem insere-se no fluxo do devir como um redemoinho que arrasta no seu movimento o material produzido no processo de gênese. O que é próprio da origem nunca se dá a ver no plano do fatual, cru, manifesto. O seu ritmo só se revela a um ponto de vista duplo, que o reconhece, por um lado como restauração e reconstituição, e por outro como algo de incompleto e inacabado [...] A origem, portanto, não se destaca dos dados fatuais, mas tem a ver com a sua pré e pós-história.[1]
Assim, o que interessa não é aquilo que é mostrado com a luzes dos holofotes, muitas vezes ofuscantes (provocando uma certa cegueira), mas sim a intermitência, o que está escondido, os “detalhes”. Nesse sentido, uma das tarefas do pesquisador é escavar, identificar, organizar, elaborar seu conjunto de séries, selecionar, filtrar, deixar só aquilo que interessa ao seu olhar.

Armazenamento e recuperação são duas palavras de Andreas Huyssen, em Memórias do Modernismo, as quais delineiam o perfil do arquivo estático, imóvel, sistematizado, cujos objetos não podem e não têm como se mover, pois os dados já possuem um rótulo, que o identificam, armazenam e servem, ainda, para a recuperação. Esse tipo de arquivo, que congela o documento, se afasta do ato de escavar.

Considerando o movimento em espiral, a descontinuidade, a memória está inserida na fissura, na cisão, entre passado e presente, e esse é o seu espaço por excelência, nessa relação entre passado-presente e presente-passado. Dessa forma, ela é por definição anacrônica. Anacronismo que pressupõem não mais uma estaticidade e sim um movimento (ou movimentos), que compõem os fios da delicada, imbricada e complexa trama. Um tempo, portanto, que não é mais aquele lógico, da cronologia, mas se apresenta analógico, kairológico. 

A perspectiva racionalista não valoriza o processo e sim o produto. O pensar o processo, as possibilidades de montagens e rearranjos (não mais uma única montagem) são todos elementos que potencializam o arquivo e como lidar com ele na contemporaneidade. Tal processo pode ser caótico como os painéis de Aby Warburg ou como a capa do livro Crítica e Coleção, organizado por Wander Melo Miranda e Eneida Maria Souza, publicado recentemente pela UFMG. Alicate, armação de óculos, compasso, cruz de malta, carimbo de datas, caixinha de metal, abotoaduras e tantos outros objetos são colocados lado a lado, sem uma significação imediata à primeira vista. A ordem em que aparecem tais objetos pode ser mudada a qualquer momento, não há uma hierarquia. É o observador que vê os objetos, do mesmo modo que os objetos veem o observador, para lembrar um título do estudioso Georges Didi-Huberman. Algumas questões, portanto, que permeiam esse projeto são: como pensar a literatura hoje? como pensar as imagens? qual o significado do arquivo literário? como pensar a coleção literária?

[1] BENJAMIN, Walter. Origem do drama trágico alemão. Tradução de João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica, 2011, p.34.